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O segmento da beleza iniciou 2020 consciente de que era preciso mudar. Aumentava a importância das marcas independentes e dos influenciadores digitais. Para crescer e aparecer ainda mais era preciso se desvincular dos padrões restritos de beauté, apostar na ética e na sustentabilidade – vide componentes naturais e orgânicos que ganharam força absoluta. As palavras de ordem viraram autoaceitação e pluralidade. Aí surgiu a maior crise de saúde de todos os tempos; e com ela o medo, desinformação e uma alteração ainda mais profunda no comportamento dos consumidores. A ABIHPEC – Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal e Cosméticos, que lidera o setor, reuniu os principais especialistas do País para discutir a pandemia e apontar caminhos possíveis para 2021 e nos fazer refletir sobre o que temos todos vivido. Mais de um milhão de mortes depois, por Covid-19, a reclusão doméstica já não é mais a mesma. O que será da beleza? Afinal, os produtos e profissionais existem para “tocar” emocionalmente as pessoas. Acolhimento é agora fundamental. Autoestima e bem-estar idem. Padrões estéticos antigos precisam ser repensados. O consumidor deseja personalização. Todos os envolvidos têm a responsabilidade de garantir aquilo que o consumidor exige, o que é melhor para ele. Por último, mas não menos importante: a solidariedade que surgiu, em diversos níveis, durante a epidemia, precisa ser mantida. Seja por meio das doações, seja por simples gestos de afeto.

 A ideia central do encontro online promovido de ABIHPEC e assistida por milhares de pessoas do segmento e afins foi identificar se algumas ações desenvolvidas em tempos de quarentena devem ser mantidas. O diretor-geral da Perception, Rodrigo Toni, destacou que pesquisas identificaram novos hábitos e comportamentos dos consumidores. Surgiram formas de lazer doméstico, sempre guiadas pelo “Do it Yourself”, no qual atividades são realizadas sem ajuda de profissionais. Outra prática citada foi o “Pampering”, ato de se auto presentear com itens como perfumes e maquiagem, por exemplo.

As pesquisas também apontaram questões que permeiam um futuro ainda incerto: o mundo vai continuar realmente mais solidário? Iremos voltar a um cenário no qual as pessoas podem interagir socialmente sem receios? As medidas de higiene realmente serão mantidas a longo prazo pela população? E ainda, os medos que afligem as classes sociais mais vulneráveis.

As análises mostraram que o isolamento social trouxe protocolos sanitários que se instalaram para sempre. Além disso, de acordo com Rodrigo Toni, “Serão bem-vindas as práticas que tragam bem-estar e equilíbrio; portanto, produtos e ingredientes que se relacionam a isso e que sejam sensorialmente prazerosos ganham oportunidades neste momento para a categoria de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos”.

A analista sênior da Mintel, Amanda Caridad, apresentou resultado de estudos desde o começo da pandemia, detalhando insights sobre o comportamento do consumidor e a redefinição de prioridade na vida das pessoas durante esse período, assim como novas oportunidades no segmento da higiene e beleza.

Estudos da Mintel revelam que 67% dos brasileiros afirmam que o bem-estar mental se tornou a maior prioridade nos últimos meses. Os resultados também apontam que 93% dos consumidores relatam ser importante cuidar da aparência com o intuito de manter o bem-estar físico e mental. 36% estão interessados em produtos de beleza e cuidados pessoais que ajudem a aliviar a ansiedade e o stress. 29% dizem ter interesse nos produtos que proporcionam mais energia.

Amanda Caridad ressalta a importância dos produtos que entregam benefícios holísticos. Esses itens, já disponíveis no mercado, se destacam pela formulação diferenciada. A consultora também analisa oportunidades no universo dos games e da realidade aumentada, que podem ajudar os consumidores a se desestressarem.

 

Consumidores mais exigentes

A especialista Margareth Utimura, da Consultoria Nielsen, falou sobre os resultados de análises feitas durante a pandemia. Elas mediram o impacto na economia e no bolso do consumidor, além das tendências de consumo dos itens de higiene e beleza.

Margareth destacou o panorama econômico do Brasil, o segundo mais afetado pela pandemia no mundo. A analista afirma que os efeitos puderam ser mais sentidos na classe média. Os números apontaram para a divisão dos consumidores em dois grupos distintos, com diferenças no poder aquisitivo.

O primeiro deles, formado por 41%, recebeu a denominação de consumidores protegidos, pois conseguiram manter os empregos e a renda. Puderam ainda investir no home office, e acabaram compensando o que economizaram “fora de casa” com gastos no lar, experimentando produtos, descobrindo benefícios ampliados. Foram privilegiadas a saúde e a proteção da família.

O segundo grupo se refere aos consumidores impactados (59%), que perderam os empregos, tiveram a renda reduzida e dependeram do auxílio governamental. Esses consumidores buscam agora por marcas mais baratas, promoções, e reduziram significativamente os gastos.

A pesquisa da Nielsen revela que as três categorias que compõem o consumo da cesta de Higiene e Beleza apresentaram resultados distintos de janeiro até agora. Cuidados pessoais (xampu, condicionador, sabonetes) registrou retração de -3,7%; Higiene Pessoal (que engloba absorventes higiênicos, creme dental, fralda descartável) apresentou queda de -2,4%. Cuidados com a Beleza (que abrange itens como maquiagens, esmaltes, tinturas para cabelos) foi a mais impactada com retração de -5,2%.

A consultora prevê um cenário positivo e de recuperação, citando o lançamento de novas marcas e produtos. De acordo com ela, influenciadoras digitais têm ajudado a trazer mais visibilidade para o segmento.

Também participaram do balanço da ABIHPEC as consultoras Iza Dezon e Vânia Goy, com as tendências do projeto “40 Dias Disruptivos”, identificadas por análises de estudos e pesquisas de comportamento.  O primeiro relato foi chamado de Indulgência como Resistência, que reflete a importância de valorizar as pequenas coisas e atos. Ser flexível e desconectar, por vezes, não é suficiente. Segundo as consultoras, todos precisamos abandonar o autocontrole e abraçar a simplicidade nos aspectos intelectual, estético e sensorial. E mais: o consumo de produtos de beleza e práticas esportivas não são mais vistos pelo lado funcional e estético, mas sim de contentamento diário, promoção de bem-estar.

O segundo relato foi denominado Menos Consumo, Mais Comunidade e reflete as dinâmicas coletivas, redefinindo experiências. Iza Dezon e Vânia Goy afirmam que, inicialmente, exclusivas aos espaços comerciais, agora as novas estratégias se infiltram nos espaços compartilhados – sejam eles virtuais ou presenciais. Cidades e bairros têm potencial para modificar a rotina dos moradores, desde que atividades públicas e privadas garantam condições para elaboração de projetos específicos. Isso pode garantir qualidade de vida que, certamente, refletirá nos resultados socioeconômicos.

 

Mudança de hábitos

O consultor do Instituto Euromonitor, Elton Morimitsu, destacou que, em 2019, o segmento de higiene e beleza, globalmente, faturou 500 bilhões de dólares em vendas. O Brasil segue na quarta colocação entre os países que mais movimentam o setor, atrás dos EUA, China e Japão. De acordo com Morimitsu, segundo as pesquisas, Japão e Brasil, mesmo com a queda deste ano, estão muito otimistas para retomar suas vendas em curto e médio prazos.

O consultor afirma que os produtos de higiene pessoal foram negociados em volumes expressivos, por conta da mudança de hábitos. Movimento contrário, com quedas significativas, pode ser observado nos itens de coloração e unhas. Outros produtos que tiveram resultado negativo foram maquiagens, perfumes e proteção solar. Efeito direto do isolamento social. Na China, mesmo com a reabertura dos salões, os consumidores estão receosos de voltar a frequentá-los, mantendo assim os rituais de beleza domésticos, adotados durante a quarentena.

Morimitsu apresentou um painel dividido em três categorias que vão afetar o segmento da beleza de agora em diante. A primeira delas: Welness, a busca e interesse por saúde mental. Por conta do severo isolamento social, 65% dos consumidores globais avaliam a sanidade como o assunto mais importante hoje e, 34% deles já têm adotado algum tipo de atividade para gerenciar o stress e a ansiedade. Um sinal claro para aumento de investimento das empresas.

A segunda tendência engloba a mudança do canal de compras, do físico para o online de forma expressiva. Espera-se que o Brasil feche 2020 com 10% das compras totais do setor via e-commerce. Esse valor significa um crescimento de 30% em relação a 2019. O especilista do Instituto Euromonitor apresentou exemplos de marcas asiáticas que utilizam as lojas como espaços “instagramáveis”, criando assim uma sinergia entre o online e a loja física. Isso gera conteúdo para o online e, ao mesmo tempo, impulsiona as vendas no meio tradicional.

A terceira tendência é a preferência por produtos clean beauty, fáceis de usar sozinhos, com utilidade básica, fórmulas minimalistas e ingredientes naturais. As pesquisas mostram que os consumidores preferem as marcas que entreguem ativos naturais e orgânicos na composição e que tenham em seu DNA a preocupação com sustentabilidade.

 

Novos canais ganham força

A consultora especializada no segmento farmacêutico, Camila Castro, da IQVIA, destacou a forma como as empresas passam a investir e usar o canal farma como pontos de venda, e de contatos estratégicos com o público consumidor. Segundo pesquisas, as farmácias que já vinham apresentando resultados animadores, passam a ter ainda mais importância na vida de consumo das pessoas, tanto no ambiente físico quanto no digital.

Camila disse também que a maior parte da população pretende manter o consumo em farmácias, pois o cenário nesse canal é de estabilidade. 45% dos entrevistados dizem que vão continuar fazendo suas compras nesses pontos de venda. Apenas 16% dos entrevistados em junho de 2020 declaram que procurarão outros canais.

Os fatores motivadores de compra seguirão inalterados. O consumidor privilegia qualidade do produto, preço e promoções. O estudo da IQVIA mostra alguns itens que não podem faltar nas gôndolas: healthy care, produtos da cesta-Covid, além dos relacionados às práticas do Do it Yoursef (depilação, cremes de tratamento para cabelos e pele). Outro ponto relevante foi o salto de 100% dos canais on-line das farmácias durante a pandemia, numa comparação ao mesmo período do ano passado. Hoje, esses canais representam 7% das vendas totais.

O presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles, trouxe um amplo panorama sobre as mudanças do comportamento humano na pandemia, chamando a atenção para a alteração do “mindset” dos consumidores. Eles passam a questionar quais são os serviços de beleza que podem continuar sendo realizados em casa e para quais atividades que voltarão a ser feitas por profissionais.

Meirelles ressaltou o protagonismo que a casa passa a ter na vida das pessoas, indo além da moradia, tornando-se também o local de trabalho, lazer, limpeza, entre outros. Tudo isso muda o foco das compras dos consumidores, que são obrigados a suprir necessidades para os mais diferentes fins.

O presidente do Instituto Locomotiva, um especialista em pesquisas, afirma que essa análise se restringe às classes A e B, que tiveram como trabalhar remotamente, e garantiram espaços minimamente saudáveis para isso. As outras classes sociais não atingiram esse objetivo.

O CEO do Grupo Boticário, Artur Grynbaum, contou como mudou os processos e a forma da empresa se relacionar com seus colaboradores e clientes, graças à aceleração digital. Compartilhou a dificuldade de fechar todas as lojas e migrar tudo para o universo on-line, ressaltando a agilidade que o Grupo teve para realizar tais adequações, principalmente na revisão de todo o planejamento das marcas.

Grynbaum também mencionou os três pilares da empresa durante a pandemia: garantir segurança sanitária para os consumidores e colaboradores, reformulação de toda a comunicação nesse novo cenário e a doação de produtos de higiene para comunidades carentes.

O diretor de Relações Institucionais da L’Oréal Brasil, Patrick Sabatier, afirmou que a pandemia promoveu uma aceleração extraordinária nas atividades da empresa, que fez acontecer em cinco meses protocolos que demorariam cinco anos para ser implantados. A L’Oréal adequou relações e processos de trabalho com os colaboradores. Patrick disse que o crescimento do e-commerce bateu os três dígitos.

 

Os números do Google

A Lead de Beleza do Google, Carolina Soares, revelou a prioridade número um que as brasileiras têm dado nas buscas por cuidados com os cabelos, no primeiro semestre do ano. As informações procuradas por maquiagem, tradicionalmente campeãs da audiência, ocupam agora o segundo lugar nas pesquisas relacionadas à beleza. Buscas sobre skincare também cresceram: há três anos representavam 10%; hoje somam 18%.

As pesquisas mostram que uma em cada duas mulheres afirmou ter mudado sua rotina de cuidados pessoais. Isso gera a discussão sobre a nova economia que guiará esse mercado. O foco em estética cede espaço para a saúde, no cuidado e no bem-estar, fato que também se estende para diversas outras indústrias. Não se limita ao produto ofertado em si, mas na forma como é oferecido.

Alguns números importantes: aumento de 52% na busca por ginástica pelo Youtube, crescimento de 388% na procura por tapetes para atividades físicas, aumento de 189% por compras de vegetais e saladas e 84% para receitas veganas.

Noites de sono também se tornaram um importante gesto de autocuidado, fato comprovado por números. Aumento de 64% nas buscas pelo termo “para dormir”, crescimento de 400% nas procuras relacionadas a ioga e meditação online e aumento na pesquisa por calmantes e ingredientes naturais para alívio de problemas emocionais (73% no termo calmante, 112% para camomila e 64% por lavanda).

A mudança de hábito abre espaço para uma nova versão do Do it Yourself, na qual as pessoas buscam o aprendizado solo, fato comprovado por números. Aumento de 80% nas buscas por tintura de cabelo, 62% por depilação em casa, 420% por barbeadores e aparadores de pelos e 160% pelo termo “como cortar a sua franja sozinha”. Segundo a especialista do Google, reforçaram-se as ações estratégicas de marcas, aliando-se a celebridades que apresentaram sua rotina em casa, e os passo a passos para executar tarefas sem ajuda de profissionais.

Carolina Soares falou sobre o desafio do retorno da terceirização dos serviços, apresentando estatísticas. 34% das “shoppers” afirmaram que devem retomar apenas os serviços terceirizados que consideram essenciais; 14% pretendem repassar aos profissionais de beleza apenas os cuidados com os cabelos e 13% não desejam retornar aos salões.

Outro ponto destacado foi a priorização da segurança que traz dificuldades não apenas para as marcas, mas também aos consumidores. Aqui, 41% das consumidoras de beleza têm medo de comprar uma maquiagem sem testar, abrindo a possibilidade de errar cor e tom. 25% gostariam de ter experiências com amostras grátis ou embalagens individuais.

A Lead de Beleza do Google, Carolina Soares, reforça que tempos de recessão implicam reinvenção. Portanto, momentos de entender, ouvir, as novas necessidades dos consumidores. O papel das marcas é mais importante do que nunca, uma vez que o índice de confiança nas instituições privadas é duas vezes maior do que o número registrado pelo governo.

 

Matéria de Caio Camargo  para  Edição HM 28. Clique aqui para ver a matéria completa em nossa edição digital.

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